Há tempos, autoridades vêm buscando soluções para melhorar o complicado sistema tributário brasileiro. Uma delas é a PEC45, discutida desde 2019 e aprovada na Câmara e no Senado este ano, devendo ser promulgada em breve, com implementação plena para 2033. Por ela, os impostos IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS tornam-se o IVA dual (Imposto sobre Valor Adicionado), formado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), para estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS) em âmbito federal. Há também benefícios tributários para várias categorias, que afetam, inclusive, a cesta básica. Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda e autor da proposta, foi palestrante no Seminário ABERC 2023, e no evento, ele destrinchou a PEC para representantes da categoria. À nossa newsletter, ele respondeu questões complementares que ajudam a entender como a nova lei pode afetar o mercado de foodservice. Confira:

ABERC em foco: Quais são os impactos negativos do nosso regime tributário atual para o setor de refeições coletivas, levando em consideração a produção de refeições e a logística de distribuição? Como o novo regime fiscal irá corrigir esses problemas?

Bernard Appy: Um primeiro problema do nosso sistema tributário, que impacta não só o setor de refeições coletivas, mas também todos os demais setores, é a fragmentação da base tributável, em que os tributos são divididos entre mercadorias e serviços e também incidem dependendo da etapa de produção. Essa fragmentação traz inúmeros problemas de caracterização da operação e para a determinação de qual tributo se aplica. Por exemplo, o atual sistema gera discussões sobre quando o fornecimento de alimentos e refeições está submetido ao ICMS e quando pode ser caracterizado como uma prestação de serviço submetida ao ISS, o que causa insegurança jurídica e resulta em contencioso administrativo e judicial. Esses problemas tendem a acabar com a reforma tributária, pois no novo modelo o IBS e a CBS vão incidir de forma igual sobre as mercadorias e os serviços, com exceção daqueles que estarão submetidos a regimes específicos ou diferenciados. Outro grave problema do nosso atual sistema tributário é a cumulatividade na cadeia. Hoje, os tributos que são chamados de não cumulativos, como o ICMS e o PIS/Cofins (no regime não- cumulativo), têm inúmeras exceções ao creditamento, sem contar com o ISS, que é totalmente cumulativo. A cumulatividade na cadeia produtiva aumenta o custo dos empresários, pois não podem tomar crédito integral dos tributos pagos ao longo da cadeia, o que acaba por aumentar os preços aos consumidores finais. Há diversos estudos econômicos estimando o impacto positivo da não cumulatividade plena em termos de diminuição de custos e do preço final dos produtos e serviços.

ABERC em foco: Em sua palestra, o senhor fala sobre o Imposto Seletivo, que incidirá, por exemplo, na extração de petróleo. Com isso, esse custo será repassado à produção de combustíveis fósseis e, consequentemente, ao consumidor final. Uma alternativa seria utilizar transportes de matriz sustentável, como veículos elétricos, principalmente se tratando do prazo mais extenso de adaptação ao novo regime. Existe algum interesse do governo em incentivar a compra e o uso desse tipo de transporte na cadeia industrial? Principalmente no transporte de alimentos e refeições prontas, que exigem condições de transporte específicas, como refrigeração especial?

Bernard Appy: Em princípio, não há na PEC um regime diferenciado geral para veículos elétricos. No entanto, a Reforma prevê um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio verde, a ser definido na lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis. Importante observar que a Reforma Tributária é apenas uma das iniciativas do Governo Federal voltadas para a economia de baixo carbono. Destaque entre essas iniciativas, o Plano de Transformação Ecológica – capitaneado pelo Ministério da Fazenda, mas realizado em conjunto com outras pastas -, que tem o objetivo de promover a transição para uma economia de baixo carbono e, ao mesmo tempo, propiciar o desenvolvimento econômico e social.

“quando a compra das refeições coletivas for realizada pela administração pública, o imposto pertencerá integralmente ao ente federativo que estiver efetuando a compra, o que, na prática, equivale a não haver tributação”

ABERC em foco: Como o empresário do setor pode se preparar para ter uma transição mais suave entre um regime tributário e outro? Quais são as adequações necessárias?

Bernard Appy: A transição para os novos tributos não será imediata e foi idealizada para ser feita de forma suave para as empresas. Inicialmente, o IBS e a CBS serão criados em 2026 com uma alíquota de 0,1% e 0,9%, respectivamente. Em 2027, a CBS começará a ser cobrada pela alíquota cheia, e os tributos PIS/COFINS serão extintos. De 2029 a 2032, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas na proporção de 1/10 por ano, e a alíquota do IBS aumentará na mesma proporção. Em 2033, o IBS será cobrado pela alíquota cheia, e o ICMS e o ISS serão extintos. Em razão dessa transição, as empresas terão tempo para se adequar ao novo modelo, de modo que a introdução dos novos tributos não impactará as suas operações. Além disso, as obrigações acessórias e o recolhimento dos novos tributos ocorrerão de forma muito mais simples, havendo inclusive a possibilidade de declarações pré-preenchidas.

ABERC em foco: É possível afirmar que a Reforma será benéfica para o setor? Há uma previsão de crescimento para empresas que trabalham com o fornecimento de alimentos?

Bernard Appy: A Reforma será benéfica para todos os setores, pois eliminará ou reduzirá drasticamente os problemas de fragmentação de base, cumulatividade e outras distorções causadas pelos atuais tributos. Há cálculos setoriais feitos por pesquisadores da UFMG que estimam que haverá uma diminuição dos custos dos insumos para o setor de serviços em 10,4% e um crescimento adicional do setor em 10,1% com a Reforma Tributária, em um cenário conservador. Além disso, o impacto positivo da reforma na produtividade gerará mais renda para os brasileiros, que poderão passar a consumir mais serviços e produtos, aumentando a demanda para o setor de fornecimento de alimentos.

ABERC em foco: No evento, o senhor respondeu algumas perguntas que dizem respeito aos desdobramentos da PEC 45 para o setor. É possível comentar mais um pouco sobre elas, a começar pela alíquota zero para produtos de consumo humano? Essa particularidade significa alíquota zero para o produto final?

Bernard Appy: A Reforma criou a Cesta Básica Nacional de Alimentos e a Lei Complementar definirá os produtos destinados à alimentação humana que a comporão, sobre os quais as alíquotas do IBS e da CBS serão reduzidas a zero. Adicionalmente, a PEC também criou a Cesta Básica estendida a outros alimentos, em relação à qual será aplicada a redução de 60% da alíquota padrão combinada com a devolução dos tributos às famílias de baixa renda, por meio do mecanismo de cashback. Produtos hortícolas, frutas e ovos também serão abrangidos pela alíquota zero. Por fim, outros alimentos destinados ao consumo humano também poderão ser beneficiados com redução de 60% da alíquota padrão.

ABERC em foco: Pensando em empresas que trabalham com o setor público, foi citado no evento que há uma distorção tributária na cadeia, já que existe o benefício para a cesta básica, mas não existe para quem elabora a alimentação, o que encarece o produto final. Pensando que se trata de alimentação destinada para pessoas atendidas pelo Estado, como no caso de escolas e presídios, como resolver essa questão da melhor forma?

Bernard Appy: A Reforma já traz uma solução apropriada para essa questão, pois quando a compra das refeições coletivas for realizada pela administração pública, o imposto pertencerá integralmente ao ente federativo que estiver efetuando a compra, o que, na prática, equivale a não haver tributação. Vale ressaltar também que a desoneração dos produtos da cesta básica e de certos alimentos pela alíquota zero, e a tributação reduzida para a cesta básica estendida e para os demais alimentos, faz com que os custos com os insumos da cadeia de alimentação sejam reduzidos, diminuindo os custos das empresas que fornecem alimentação para terceiros. Há que se considerar também que se o adquirente da alimentação for uma empresa inscrita no IBS/CBS, ela poderá tomar crédito integral dos tributos pagos ao comprar as refeições, caso sejam adquiridas no curso de suas atividades comerciais.

ABERC em foco: Ainda em linha com a pergunta anterior, uma empresa responsável por montar e revender cestas básicas, cujos produtos têm alíquota zero ou mais baixa, terá uma tributação específica na venda dos produtos?

Bernard Appy: A venda de produtos da cesta básica, produtos hortícolas, frutas e ovos será beneficiada com alíquota zero. Os produtos da Cesta Básica estendida e os alimentos destinados ao consumo humano serão beneficiados com redução de 60% da alíquota padrão.

ABERC em foco: Outra questão levantada no seminário foi a de o setor possuir benefícios na redução do ICMS, já que o segmento possui uma atividade social. No novo regime, é possível que tenhamos uma isenção parecida? Isso ainda poderá ser discutido em lei complementar?

A PEC garante que as imunidades para entidades de assistência social sem fins lucrativos serão mantidas no IBS e estendidas à CBS, atendidos os requisitos da lei complementar.

ABERC em foco: A concessão de alimentação ao trabalhador goza hoje de incentivo fiscal previsto na Lei 6.321/76, como um percentual sobre a receita tributável das empresas. Este tema será tratado na reforma tributária do Imposto de Renda?

Bernard Appy: Ainda não há uma definição sobre este assunto, uma vez que a reforma do Imposto de Renda ainda está em elaboração.

ABERC em foco: Considerando que o segmento de fornecimento de alimentação coletiva possui características específicas, onde o fator social de alimentação saudável e balanceada do trabalhador é um atributo primordial, e sendo esta uma preocupação relevante do governo, o senhor acredita que tecnicamente, durante os debates dos grupos de trabalho para o desenvolvimento dos textos que lastrearão as Leis Complementares regulamentadoras da Reforma Tributária, poderá o mencionado segmento obter regime específico ou enquadramento em alíquota menor, com a finalidade de baratear a refeição para o trabalhador?

Bernard Appy: Os regimes específicos e favorecidos serão aqueles já descritos na PEC. A Lei Complementar apenas detalhará cada um dos regimes previstos.

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